Por: Mazé Rosolino
Para começar a responder essa complexa pergunta o ideal é explicar o contexto em que ela foi pensada: primeiro, ela compõe o texto de abertura do Blog do movimento Cidades em Transição; segundo, ela permeia o universo das relações dos que estão ativos na transição, e terceiro, ela é um componente fundamental para os estudos sobre a hospitalidade já que quem assina este texto é uma doutoranda em Hospitalidade.
Os princípios que regem o movimento são de ordem ambiental já que os efeitos sentidos estão diretamente ligados aos limites dos recursos; de ordem econômica pois organizados em comunidades e buscando alternativas de produção e consumo valorizam a economia local e solidária, chegando à inclusão social; de ordem política porque precisa do compartilhamento de ideias, de poder e da ordem comunitária, na construção de conexões, elos e sinergia de processos (TRANSITION BRASIL, 2020).
A síntese do movimento, na visão de quem escreve este texto, é o reconhecimento do outro, da necessidade do outro, e é também, de modo resumido, o que representa a síntese da hospitalidade desde que ela esteja na condição de forma atenuada da dádiva como inspira Emile Benveniste (1995). A dádiva, sem a influência da religião e na visão de Marcel Mauss (1925), antropólogo e sociólogo francês, é o dom e o contra dom ou a tríade dar-receber e retribuir. O sistema dom e contra dom ou dar-receber e retribuir desdobra o conceito de hospitalidade como uma forma atenuada da dádiva porque se fundamenta na ideia de que um homem une-se ao outro compulsoriamente.
A hospitalidade acontece entre pares, parentes, amigos e aliados e pode estar voltada para as relações sociais e ao entretenimento. Pode revestir-se de aspectos instrumentais, ser mais ou menos codificada, ritualizada, rotineira ou espontânea, mas não consegue adquirir a característica da simplicidade. Outra particularidade da ocorrência da hospitalidade está na obrigação da reciprocidade. O dar na hospitalidade significa receber o hóspede desprovido de restrições; ser receptivo para que haja comunhão de interesses. Assim, o retribuir ou o receber não são apenas um ato contínuo de uma obrigação; referem-se ao comprometimento com a situação. O dar-receber-retribuir auxilia ainda na compreensão de fenômenos de solidariedade humana, associativos e de liderança, e incorpora a certeza que toda ação de hospitalidade carrega em si uma dádiva (CAMARGO, 2004) e avança nas melhorias das relações e interações sociais.
A natureza dialógica da hospitalidade favorece as interações sociais desde que haja o reconhecimento e a alteridade na ação. O diálogo é condição essencial para sua ocorrência (BESSONE, 2011) já que o eu e o ele se transforma em nós. A resposta ao diálogo é uma forma de acolher o outro e buscar a troca de ideias, sentimentos, dados e ou informações.
Para ser social, o diálogo deve ser norteado pela hospitalidade o que contribuirá para que as interações sejam profícuas, consistentes e conquistadoras. Cabe pensar neste momento: o que pretendemos dar? A quem pretendemos dar além de retribuir à Gaia, tendo a mitologia grega como contexto e sua enorme potencialidade geradora como a grande mãe?
A hospitalidade integra ainda um sistema que circula a palavra, troca experiências e cria vínculos. Uma rede de relações sociais baseada na hospitalidade e no auxílio mútuo é o que pode restar em caso de colapsos políticos e econômicos. Se você, caro leitor, fez associações com o mundo atual não é mera coincidência. Creio que a perspectiva da hospitalidade pode nos unir na construção deste espaço virtual onde o movimento Cidades em Transição é nosso ponto de encontro, troca, auxílio ou seja, o círculo da dádiva e da dívida.
E para você, o que nos une?
Referências:
BENVENISTE, É. O vocabulário das instituições indo-europeias. In: Economia, parentesco, sociedade. Campinas: Ed. Unicamp, 1995. v. 1, p. 87-101.
BESSONE, M. Do eu ao nós. In: MONTANDON, A. (Ed.). O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 2011. p. 1267-1279.
CAMARGO, L. O. de L. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004.
MAUSS, M. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 2001.
O que nos une? Acredito que principalmente o afeto, a energia do encontro para discussão de ações em torno dos mesmos ideais.
Sem dúvida querida Elaine. Afeto e energia são forças necessárias para a coletividade superar os vários e diversos obstáculos.
Abraço afetuoso,
Mazé